Liderados por Filippo Marinetti, os futuristas iriam lançar em 1909 a pedra fundamental da estetização de uma recém-chegada era da máquina e da velocidade, com o seu Manifesto Futurista, e Balilla Pratella em 1911 o estenderia com seu Manifesto dei musicisti futuristi e o seu Manifesto tecnico della musica futurista. Concertos de música futurista não eram incomuns, mas baseavam-se originalmente no mesmo tipo de dispositivo da música de concerto vigente: amparada em músicos de fraque, regente, violinos, celos e tímpanos, as peças musicais futuristas disputavam espaço no calendário das salas com óperas de Puccini. No campo da música, pelo menos até aqui, a estética futurista não avançaria além da retórica, e pouca importância teria em uma forma musical específica.
Somente em 1913, o então pintor Luigi Russolo faria a ligação do projeto futurista com uma proposta mais efetivamente musical, através do manifesto A arte do ruído, onde propõe os ruídos das máquinas como elemento construtivo fundamental de uma música do futuro, organiza-os em uma tipologia (que antecipa a empreendida por Pierre Schaeffer, de muito maior alcance, mais tarde), e conclama os jovens compositores à produção de sons nunca antes ouvidos:
We therefore invite young musicians of talent to conduct a sustained observation of all noises, in order to understand the various rhythms of which they are composed, their principal and secondary tones. By comparing the various tones of noises with those of sounds, they will be convinced of the extent to which the former exceed the latter. This will afford not only an understanding, but also a taste and passion for noises. After being conquered by Futurist eyes our multiplied sensibilities will at last hear with Futurist ears. In this way the motors and machines of our industrial cities will one day be consciously attuned, so that every factory will be transformed into an intoxicating orchestra of noises. (RUSSOLO: 1913)
A partir daí, Russolo abandonaria o pincel e a paleta e passaria a desenvolver ele mesmo suas intonarumori ou máquinas produtoras de ruído, e escreveria diversas peças para elas. Cabe observar, porém, que seus instrumentos eram construídos com madeira, peles e manivelas, e pelo que consta no máximo um ou outro talvez contivesse um motor elétrico. De toda forma, Russolo foi visionário ao antecipar, já na época, um presente dominado pela técnica, e buscar no som das máquinas da época uma forma de superar o passado, encarnado nas convenções musicais vigentes, em favor de um passo rumo àquilo que via como futuro.
A despeito de à época essa música ter tido pouquíssima aceitação e de ter causado pouca influência mais direta, no presente contexto nos interessa o fato de ter sido um antecessor de Cage e Schaeffer, advogando a incorporação do ruído do mundo à sua volta (e, por extensão, de todo tipo de som) à gama sonora disponível aos compositores, mas também o fato de ser originariamente um pintor que buscou tornar tangíveis seus ideais estéticos lançando mão do som como meio, contra o senso acerca do que deveria ser, àquele tempo, a música. Robert P. Morgan vê no trabalho de Russolo um ponto de virada fundamental, que perdura na música ocidental:
Though Russolo remains a largely forgotten figure in music history, his sudden appearance on the musical scene in 1913 can be viewed as marking a critical historical juncture, supplying the final link in a chain initiated in the early Romantic aesthetics of autonomous music. That he represented not merely a point of termination, but one of origin, has been made clear by subsequent Western music. Russolo's vision of a new kind of music, offering materiality as a replacement for its lost spirituality, has proved remarkably fertile, and has shown little sign of exhaustion. (MORGAN: 1994)
Mais recentemente, alguns críticos vêm apontando as ideias de Russolo como a própria origem da música techno e suas variantes (não só sob a perspectiva da incorporação do ruído como som musical, mas também pela estetização da máquina e da velocidade) (ROTONDI: 2002).
Além disso, é preciso ver em Russolo o espírito de questionamento radical do próprio material sonoro incorporado ao universo musical, antecipando em décadas, mesmo que sem a mesma autoconsciência, o espírito filosófico e de reflexão mais ampla sobre a música de compositores como Cage. Também é importante notar, mesmo que haja antecedentes menos relevantes na musical ocidental, que é a mais relevante tentativa de reinserção da referência a elementos externos, de forma sistemática, na linguagem musical até então.
Alguns trabalhos de Russolo:
Alguns trabalhos de Russolo: